Altere o sistema, não as pessoas

Quando as pessoas se atrapalham e dizem bobagens, muitas vezes reagimos de forma negativa discutindo com elas. Temos a tendência de querer mudar a forma como as pessoas pensam, mas o resultado é quase sempre um debate onde não chegamos a lugar algum. Uma solução para esse embate é o contorno da situação através da mudança das nossas próprias atitudes ou das idéias que geram os conflitos.

O Experimento NUMMI

A montadora da General Motors em Fremont foi um desastre. “Tudo era motivo de desavenças”, admitiu o presidente do sindicato. “Eles passavam mais tempo reclamando das coisas do que trabalhando na produção de carros. Eles surtavam o tempo todo. Era um caos constante… Eles foram considerados a pior força de trabalho na indústria automobilística dos Estados Unidos”.

Segundo o professor Jeffrey Liker, uma das expressões utilizada na época era “…você pode comprar o que quiser na montadora da GM em Fremont. Se você quer sexo, se você quiser drogas, se você quiser álcool, está tudo lá. Durante os intervalos, durante o almoço, se você quiser jogar ilegalmente…” qualquer atividade ilegal estava disponível nessa montadora. O absentismo era tão grande, que em algumas manhãs eles não tinham funcionários suficientes para começar a linha de montagem, eles tinham que atravessar a rua e arrastar as pessoas para fora do bar.

Quando os gestores tentavam punir os operários, os operários davam o troco de volta nos gestores: riscando os carros, soltando peças em locais de difícil acesso, apresentando queixas no sindicato, e até mesmo montando os carros sem segurança. Foi uma guerra.

Em 1982, a GM finalmente fechou a montadora. Mas, no ano seguinte, quando a Toyota estava planejando iniciar sua primeira montadora nos EUA, esta decidiu fazer parceria com a GM reabrindo a montadora de Fremont, e contratando de volta os mesmos velhos operários para os mesmos postos de trabalhos. E assim começou uma das experiências mais fascinantes na história da gestão de pessoas.

A Toyota levou todos esses velhos operários para o Japão, para ver uma forma totalmente diferente de trabalho: The Toyota Way. Na Toyota, os operários da linha de montagem e os seus gestores consideravam-se pertencentes a mesma equipe. Quando os operários se atrapalhavam com algum problema, os gestores não gritavam com eles, mas sim perguntavam como eles poderiam ajudar e solicitavam sugestões para resolverem os problemas. Foi uma revelação. “Você teria visto os velhos operários de cabelos grisalhos, que haviam trabalhado no chão da fábrica por 30 anos, abraçando os seus homólogos japoneses, absolutamente em lágrimas”, lembra o treinador da Toyota, “..isso pode parecer uma forma florida de se ver a coisa depois de 25 anos, mas eles tiveram uma experiência emocional poderosa, aprendendo uma nova forma de trabalhar, uma maneira onde as pessoas realmente trabalham em conjunto de forma colaborativa, como uma equipe.”

Três meses depois eles voltaram para os EUA e reabriram a montadora, dessa vez tudo tinha mudado. As queixas e o absenteísmo caíram e os operários começaram a dizer que realmente gostavam de ir trabalhar naquela montadora. A montadora de Fremont, que fora uma das piores dos EUA, havia se tornado a melhor. Os carros passaram a ter índices de qualidade que beiravam a perfeição, e os custos para fabrica-los despencou. Não eram os operários o problema, era o sistema que não funcionava.

Uma organização não é apenas um monte de pessoas, é também um conjunto de estruturas. É quase como uma máquina feita de homens e mulheres. Pense em uma linha de montagem, se você apenas forma um grupo de pessoas e as joga em um armazém com um monte de peças de carros e um manual, provavelmente seria um desastre como foi em Fremont. Em vez disso, deve-se ter um cuidado com a estrutura organizacional, com o planejamento e a definição das rotinas a serem seguidas: as peças do carro rolam para baixo sobre uma correia transportadora, e cada operário faz uma etapa do processo, tudo é cuidadosamente concebido e planejado. Ordem a partir do caos.

Alterando o sistema

E quando o sistema não está funcionando? não faz sentido gritar com as pessoas que estão nele, da mesma forma que não faz sentido consertar o sistema brigando com as engrenagens. As vezes você tem as engrenagens erradas e precisa substituí-las, mas muitas vezes você está apenas usando-as de forma incorreta. Quando houver um problema, você não deve ficar bravo com as engrenagens, ao invés disso tente alterar o sistema.

Se você possui objetivos na vida, você provavelmente vai precisar de algum tipo de organização. Mesmo que seja uma organização que contenha uma pessoa, no caso você mesmo, ainda assim é útil pensar nessa organização como uma espécie de sistema. Você não precisa fazer toda a parte do processo sozinho, você só precisa configurar o sistema para que os resultados certos aconteçam. Por exemplo, vamos dizer que você quer construir uma casa na árvore no seu quintal. Você sabe serrar e martelar, mas a arquitetura não é o seu forte, sendo assim você constrói algo que parece uma casa na árvore mas que não funciona como uma casa na árvore. Você pode tentar melhorar esse sistema, mas como a arquitetura não é o seu forte o melhor a fazer é demitir-se como o arquiteto. Em vez disso, você pode procurar um amigo que goste desse tipo de coisa e solicite que ele projete a casa na árvore para você e você fica apenas com a função de construi-la. Afinal, o seu objetivo era construir uma casa na árvore, nesse caso não importa muito os meios e sim o resultado.

Vamos dizer que você realmente queira entrar em forma, mas sempre se esquece de exercítar-se. Você pode continuar reclamando da sua falta de vontade, ou pode procurar um parceiro de corrida para te lembrar dos seus horários e dessa forma estabelecer uma rotina de exercícios. Você não tem que resolver todos os seus problemas sozinho, ninguém é uma ilha.

Erro Fundamental de Atribuição

Na psicologia social, o erro fundamental de atribuição ocorre quando, no julgamento do comportamento das pessoas, são focalizados os fatores disposicionais em vez da própria situação. Muitas vezes é mais fácil atribuir comportamentos à personalidade das pessoas, pois é mais difícil analisar os fatores situacionais. Ex: é mais fácil atribuir o título de “desastrado, ou atrapalhado” ao vermos alguém tropeçar em uma pedra, enquanto que, se fossemos nós a tropeçar na pedra, provavelmente atribuiríamos o tropeço à localização de pedra ou ao solo molhado e não à nossa falta de cuidado ou coordenação motora. Tente sempre identificar as causas reais dos problemas e não simplesmente atribuí-las a uma característica (que quase sempre só existe em nossas cabeças) de uma pessoa.

Alterando a situação

Nossa reação natural com uma pessoa que comete algum tipo de erro é a de criticar de forma negativa ou até mesmo de gritar com ela. Isto foi o que aconteceu na fábrica da GM: os operários cometiam um erro e os seus gestores gritavam com eles. Se os gestores tivessem que explicar o motivo da gritaria, eles provavelmente diriam que como as pessoas não gostam de serem criticadas, da próxima vez os operários teriam mais cuidado.

Mas esta explicação não é válida. Você acha que os operários gostavam de estragar as coisas? Você acha que eles gostavam de fazer carros de baixa qualidade? Bem, nós não temos que especular, sabemos que quando foi dada a oportunidade aos operários de Fremont de fazerem um bom trabalho, eles passaram a ter orgulho de trabalhar naquela montadora.

Eles são como você, quando você não consegue engrenar em uma rotina de exercício, ajudaria se o seu amigo te chama-se de preguiçoso? Provavelmente não, provavelmente teria apenas o efeito de se sentir pior. O que funciona, é a mudança do sistema em torno de você, de modo que torne mais fácil alcançar os seus objetivos.

O mesmo vale para as outras pessoas. Você não deve julgar as pessoas pelas as suas ações e sim deve tentar entender a situação na qual elas se encontram e descobrir uma forma de mudar a situação para que seja mais amigável para todos. Geralmente isso implica na alteração do seu comportamento diante de certas situações ou mesmo a adoção de medidas simples alterando o modo como as coisas são definidas ou utilizando lembretes para que as pessoas não cometam erros, e quando acontecerem devem haver mecanismos de recuperação.

Na antiga montadora da GM em Fremont, os operários ao errarem na montagem do carro precisavam aguardar o seu gestor e muitos vezes era necessário rebocar o carro para fora da linha de montagem, parando por muito tempo toda a linha de montagem. Na montadora da Toyota, eles não deixavam as coisas tomarem essas proporções. Havia um cordão vermelho que passava por cima de toda linha de montagem, e quando era percebido um erro bastava que o operário puxasse essa corda para para a linha de montagem e de prontidão um gestor vinha perguntar como poderia ajudar, e se havia alguma maneira de resolver o problema. E eles realmente resolviam.

O resultado dessa forma de pensar podia ser visto por toda a fábrica. Como tapetes e almofadas para os operários se ajoelharem; prateleiras suspensas seguindo junto com os carros, carregando peças e ferramentas especiais inventadas especificamente para resolver os problemas que os operários tinham identificado. Essas pequenas coisas somadas fizeram uma grande diferença.

Quando você está com raiva de alguém, tudo que você quer fazer é mudar a forma como a pessoa estão agindo. Mas você não pode controlar o que está dentro da cabeça da utra pessoa, e gritar de volta vai tornar a situação apenas mais desafiadora, como no caso dos operários da GM.

Não, você não pode mudar as idéias de uma pessoa de forma simples. Você pode, no entanto, mudar quase todo o resto em volta dela. E normalmente isso é suficiente.


Adaptado do texto original de Aaron Swartz: Fix the machine, not the person

Fontes:

  1. Esta história foi contada em vários lugares, mas as citações desse texto são de Frank Langfitt com Brian Reed, “NUMMI”, This American Life 403 (26 de Março de 2010). Citações são tiradas da transcrição do programa que por vezes diferem ligeiramente da versão que foi ao ar. Acesso em 18 Dez. 2012.
  2. Principles. Ray Dalio. 2001, parte 2. Acesso em 18 Dez. 2012.
  3. The Attribution of Attitudes. Edward E. Jones and Victor A. Harris. Journal of Experimental Social Psychology 3:1 (January 1967), 1–24. Acesso em 18 Dez. 2012.
  4. Nummi, The Great Experiment. Robert B. Austenfeld, Jr. 2006. Acesso em 18 Dez. 2012.
  5. Filme Gung Ho. Direção Ron Howard. 1986.
  6. The Engineering Bay. Anasrist, Deviantart. Acesso em 18 Dez. 2012.